Psicanálise na Educação: Um Novo Olhar sobre Transferência e Aprendizagem
Introdução: O Desafio ‘Impossível’ de Educar
No vasto campo das relações humanas, a educação, a governança e a cura se destacam como tarefas de complexidade singular. Sigmund Freud, o pai da psicanálise, não hesitou em classificá-las como “tarefas impossíveis”.1 Essa afirmação, à primeira vista, pode soar como um pessimismo irrefletido, mas carrega uma profundidade ímpar. Ela não sugere que educar é inatingível, mas que sua prática inevitavelmente confronta os limites e a complexidade do inconsciente. O que a psicanálise oferece, portanto, não é uma cartilha pedagógica, mas uma lente teórica e uma ferramenta ética para compreender os fenômenos subjetivos que permeiam o ambiente escolar, transformando essa aparente impossibilidade em um campo de constante reflexão e atuação.
O presente artigo explora como o olhar clínico da psicanálise pode enriquecer a prática educativa. Longe de propor o divã na sala de aula, o objetivo é demonstrar como o conhecimento psicanalítico, que abarca a teoria e a prática da escuta, se torna fundamental para desvendar as dinâmicas inconscientes entre professores e alunos. Serão abordados o diálogo histórico entre os campos, a centralidade da transferência como motor do aprendizado, o papel do profissional de psicologia orientado pela psicanálise e a crucial importância da ética e do sigilo profissional nesse contexto. Para entender mais sobre como o olhar psicológico se aplica a diversos contextos, é possível visitar o site da Exito Psicologia, que aprofunda as relações humanas e a importância de uma abordagem especializada.
Essa tensão inicial, estabelecida pela constatação freudiana da “impossibilidade”, não paralisou o campo, mas, ao contrário, atuou como um catalisador para o avanço das pesquisas. Autores posteriores, como Maria Kupfer, compreenderam que a impossibilidade de Freud não era a da educação em si, mas a da sua execução sem um encontro com a dimensão do sujeito do inconsciente.1 Essa visão gerou um efeito de expansão do campo de pesquisa, permitindo que educadores e psicanalistas explorassem novas abordagens que o próprio Freud não previu.1 Assim, a causa (a visão freudiana) e o seu efeito (a expansão do campo) se complementam, formando o motor de um diálogo contínuo.
O Diálogo Histórico: Da Teoria ao Contexto Escolar
A interseção entre psicanálise e educação tem raízes profundas, mas foi construída sobre uma distinção fundamental. Desde as primeiras décadas do século XX, Freud reconheceu a relevância da criança como objeto de estudo, inspirando psicanalistas contemporâneos e pedagogos a explorarem a aplicação de seus conceitos no campo da educação.3 Mais tarde, a teoria de Jacques Lacan contribuiu significativamente ao introduzir o conceito de linguagem e discurso social como elementos centrais na constituição do sujeito, o que se alinha perfeitamente com o ato educativo como uma prática social discursiva.2
No entanto, é crucial entender que a psicanálise na escola não se confunde com a prática clínica.1 A aplicação do saber psicanalítico no ambiente educacional não implica em replicar o
setting do consultório, com seu divã e sessões individuais.5 A articulação entre os campos exige cautela, pois seus objetos de interesse, finalidades e procedimentos são distintos.6 Enquanto a clínica visa à análise e cura de neuroses, a psicanálise na educação utiliza seus conceitos para compreender as dinâmicas institucionais e interpessoais. A ferramenta principal, nesse contexto, é a escuta, não a interpretação clínica.7 O profissional orientado pela psicanálise atua sobre as relações, a circulação da fala e o discurso institucional, não na cura de um sujeito individual.7
Para ilustrar essa distinção essencial, pode-se comparar a prática de cada campo.
Aspecto | Clínica Psicanalítica | Aplicação na Educação |
Objetivo | Cura e análise do sujeito | Promoção da “circulação da fala” na instituição 7 |
Foco | O sujeito individual e seu inconsciente | Dinâmicas institucionais e relacionais 9 |
Ferramenta Principal | Interpretação no setting analítico | A “escuta” e a escuta da demanda institucional 7 |
Público | Analisando (cliente) | Professores, alunos, pais, e equipe escolar 9 |
Essa diferenciação evidencia que a psicanálise não é transplantada para a escola de forma literal, mas é cuidadosamente articulada e adaptada para um novo propósito.6 A psicanálise, portanto, age como um enriquecimento, oferecendo uma compreensão mais profunda das dificuldades de aprendizagem e dos desafios relacionais que não se restringem ao âmbito individual do aluno, mas se manifestam na complexidade do ambiente escolar.11
A Transferência como Pilar do Ensino-Aprendizagem
Um dos conceitos psicanalíticos mais relevantes para a educação é a transferência. No contexto escolar, a transferência se manifesta como o mecanismo pelo qual o aluno projeta no professor figuras de autoridade ou afeto de sua própria história, como pais e cuidadores.12 Essa projeção não deve ser vista como um obstáculo, mas como a própria base que torna o aprendizado e a identificação possíveis.14 O professor se torna o “sujeito suposto-saber,” uma figura que detém um conhecimento desejado e, por isso, estimula a “pulsão de saber” do aluno.12
A afetividade e o processo de identificação são os mediadores dessa relação transferencial.14 Uma transferência positiva fortalece o vínculo, o desejo de aprender e a capacidade de o aluno construir sua “marca histórica” no processo educacional.1 Por outro lado, o “mal-estar” nas relações pedagógicas, frequentemente citado em pesquisas sobre o tema, pode ser um sintoma de que a transferência está bloqueada ou distorcida.15 Isso pode se manifestar como apatia, conflitos interpessoais ou, mais comumente, o fracasso escolar.9
O olhar psicanalítico permite enxergar os desafios escolares sob uma perspectiva diferente. As dificuldades de aprendizagem, por exemplo, podem não ser apenas resultado de um problema cognitivo, mas um sintoma de uma dinâmica inconsciente que se estabeleceu na relação entre aluno e professor.11 Compreender essa dinâmica permite que o profissional intervenha não apenas na queixa individual, mas na própria relação, auxiliando o professor a manejar os sintomas. Essa abordagem inverte a lógica tradicional, que foca no indivíduo, para uma perspectiva relacional e sistêmica.
A Escuta Analítica na Escola: Um Instrumento de Intervenção
O profissional de psicologia orientado pela psicanálise não busca a adaptação do aluno ao sistema escolar, mas atua como um facilitador de processos subjetivos. Em vez de simplesmente atender ou recusar as demandas da escola, ele as escuta.7 Essa escuta se volta não apenas para as palavras do aluno, mas para a queixa institucional, para os discursos dos professores e coordenadores que expressam o “mal-estar” geral da instituição.16 A proposta é oferecer um espaço para que as falas de sujeitos quebrem a repetição dos discursos institucionais e permitam a circulação da palavra, relançando a vida escolar.7
A escuta se torna, assim, uma ferramenta catalisadora. O psicólogo pode organizar grupos de professores ou de pais para que reflitam sobre suas próprias posições e dificuldades, auxiliando-os a reconfigurar suas relações com os alunos e com a própria instituição.7 Este tipo de intervenção, que se apoia na transferência do professor e da escola com o profissional 7, promove a ressignificação dos lugares subjetivos de cada um no espaço escolar.10 Para aprofundar-se em temas correlatos, artigos como “Psicologia da Aprendizagem” 17 podem oferecer mais informações. É crucial também a busca por fontes externas confiáveis, como a base de dados da SciELO, uma das maiores bases de dados de artigos científicos da América Latina, que oferece um vasto material sobre a intersecção entre psicologia e educação.
O Sigilo Profissional: Ética e Limites na Atuação Escolar
O trabalho do profissional de psicologia na escola exige um rigor ético exemplar, especialmente no que tange ao sigilo profissional. O Código de Ética do Psicólogo, em seu artigo 9º, estabelece o dever de respeitar a confidencialidade para proteger a intimidade de indivíduos, grupos ou organizações.18 No caso do psicanalista, as diretrizes são ainda mais estritas, proibindo a menção do nome do cliente, mesmo com autorização, e exigindo o uso de pseudônimos em apresentações de casos clínicos para garantir o anonimato absoluto.19
A complexidade surge no Artigo 10º do mesmo código, que permite a quebra de sigilo em situações de conflito, desde que a decisão seja pautada na “busca do menor prejuízo”.18 Essa exceção não é uma licença para a indiscrição, mas uma prerrogativa ética que coloca o bem-estar do cliente acima do dever de sigilo em situações de risco.21 Exemplos incluem casos de violência doméstica, maus-tratos ou abuso infantil, que representam problemas de saúde pública e de direitos humanos.22 A atuação do profissional na escola, portanto, é um ato de constante equilíbrio entre o dever de guardar segredo e o dever de proteger.
A ética do sigilo não é um conjunto de regras estáticas, mas um processo de avaliação crítica e criteriosa. O profissional é um mediador ético, que precisa sopesar os riscos e benefícios de cada ação, especialmente em um ambiente institucional que, por natureza, lida com a coletividade e a comunicação. A tensão entre o dever de sigilo (art. 9º) e o dever de proteger (art. 10º) se complementa na busca pelo menor prejuízo.21 Essa dinâmica diferencia a atuação do profissional de psicologia na escola da de um mero técnico, exigindo uma constante reflexão sobre as implicações de cada decisão e a compreensão de que a ação ética é um processo em movimento.
Conclusão: A Psicanálise como um Enriquecimento da Prática Educativa
A psicanálise na educação, longe de ser uma mera “psicologização” do ensino, constitui uma valiosa ferramenta conceitual. Ela não substitui a pedagogia, mas a enriquece, oferecendo um olhar aprofundado para os aspectos subjetivos que permeiam o processo de ensino-aprendizagem.6 A partir da compreensão da dinâmica da transferência e da prática da escuta, é possível desvendar os sentidos ocultos por trás das dificuldades, da apatia e dos conflitos, percebendo-os não como falhas individuais, mas como sintomas de uma relação que precisa ser manejada e ressignificada.11
A atuação do profissional de psicologia orientado por esse referencial é um ato de ética e de compromisso com a complexidade humana. Ao atuar na escola, ele negocia um delicado equilíbrio entre o saber clínico e as demandas institucionais, sempre com o sigilo como baluarte. Em última análise, a psicanálise nos convida a uma reflexão final: a educação não é apenas a transmissão de conteúdo, mas a possibilidade de um encontro, uma relação na qual o sujeito pode se constituir e se reconhecer.2
Fontes de Pesquisa
- 5 O estudo teórico sobre psicanálise na escola. Disponível em:
https://revistapsicofae.fae.edu/psico/article/download/8/9/17 - 7 A escuta na psicologia escolar orientada pela psicanálise. Disponível em:
https://openaccess.blucher.com.br/article-details/02-20823/ - 1 As contribuições da psicanálise para a educação. Disponível em:
https://blog.ipog.edu.br/saude/psicanalise-e-educacao/ - 18 Dever de sigilo profissional do psicólogo. Disponível em:(
https://crp13.org.br/site/wp-content/uploads/2023/08/Cartilha-A%C3%A7%C3%B5es-da-Psicologa-Escolar-Educacional-148-x-21-cm-Vers%C3%A3o-eletr%C3%B4nica.pdf) - 12 Artigo sobre a transferência na relação professor/aluno. Disponível em:(
https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752014000200003) - 6 Intersecção entre psicologia escolar e psicanálise. Disponível em:(
https://www.scielo.br/j/pee/a/rSk9R3jydkQQ8tw6zc3GMfR/)
Referências citadas
- Psicanálise e Educação: descubra novos operadores de aprendizagem – blog do IPOG, acessado em setembro 4, 2025, https://blog.ipog.edu.br/saude/psicanalise-e-educacao/
- Breves Considerações sobre a Psicanálise na Escola Especial, acessado em setembro 4, 2025, https://apcwb.com.br/wp-content/uploads/2023/10/Breves-Consideracoes-sobre-a-Psicanalise-na-Escola-Especial-Suzane-Muzeka.pdf
- Psicanálise e educação: análise das práticas pedagógicas e formação do professor, acessado em setembro 4, 2025, https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752010000100007
- LIMITES E ALCANCES (IM)POSSÍVEIS ENTRE PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: DO TEMPO DE FREUD À ATUALIDADE – SciELO Preprints, acessado em setembro 4, 2025, https://preprints.scielo.org/index.php/scielo/preprint/download/5430/10477/11013
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- Psicanálise e psicologia escolar: junção possível? – SciELO, acessado em setembro 4, 2025, https://www.scielo.br/j/pee/a/rSk9R3jydkQQ8tw6zc3GMfR/
- O que toca à/a Psicologia Escolar: desdobramentos do encontro entre Psicanálise e Educação – Blucher Open Access, acessado em setembro 4, 2025, https://openaccess.blucher.com.br/article-details/02-20823/
- A ESCUTA EM PSICANÁLISE NO CONTEXTO ESCOLAR EM TEMPOS DE PANDEMIA – Realize Editora, acessado em setembro 4, 2025, https://editorarealize.com.br/editora/ebooks/conedu/2021/ebook1/TRABALHO_EV150_MD7_SA100_ID1542_08102021141117.pdf
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- A educação e a psicanálise: um encontro possível – Pepsic, acessado em setembro 4, 2025, https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-36872006000200008
- Psicanálise e Educação: Contribuições da Psicanálise à Pedagogia by Eduardo Lucas Andrade | eBook | Barnes & Noble®, acessado em setembro 4, 2025, https://www.barnesandnoble.com/w/psican-lise-e-educa-o-eduardo-lucas-andrade/1137666723
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- Ações da(o) Psicóloga(o) Escolar Educacional na Educação Básica – CRP13, acessado em setembro 4, 2025, https://crp13.org.br/site/wp-content/uploads/2023/08/Cartilha-A%C3%A7%C3%B5es-da-Psicologa-Escolar-Educacional-148-x-21-cm-Vers%C3%A3o-eletr%C3%B4nica.pdf
- Sigilo | Ana Bortolin | Psicanalista, acessado em setembro 4, 2025, https://www.anabortolin.com.br/sigilo
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- 100/CEOPP/2023 Sigilo Profissional versus Dever de Sinalização ou Denúncia de situações que configurem risco/perigo – Ordem dos Psicólogos, acessado em setembro 4, 2025, https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/parecer_100_ce_opp_2.pdf
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