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Entre a Montanha-Russa Emocional e a Tempestade Interior

Entre a Montanha-Russa Emocional e a Tempestade Interior: Uma Visão Psicanalítica do Transtorno Afetivo Bipolar e do Transtorno Borderline.

Por Carlos Eduardo Sanches, Psicólogo e Psicanalista. Bacharel em Psicologia e Especialista em Psicanálise Clínica, Ensino Lúdico, Psicofarmacologia e Saúde Mental e Atenção Psicossocial.

O campo da saúde mental frequentemente nos apresenta quadros clínicos complexos, nos quais a fronteira entre diferentes transtornos pode parecer tênue. Entre eles, o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) e o Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) se destacam pela intensidade das experiências emocionais e pela significativa interferência na vida dos indivíduos. Embora compartilhem algumas características superficiais, uma análise aprofundada, especialmente sob a lente da psicologia psicanalítica, revela nuances cruciais para a compreensão e o manejo de cada condição.

Transtorno Afetivo Bipolar: A Dança entre Polos Emocionais

O Transtorno Afetivo Bipolar é caracterizado por oscilações extremas de humor, que vão desde os picos de euforia, energia e pensamento acelerado (mania ou hipomania) até os vales profundos da tristeza, desesperança e perda de interesse (depressão). Essas fases podem durar dias, semanas ou até meses, impactando significativamente o funcionamento social, profissional e pessoal do indivíduo.

Na perspectiva psicanalítica, o TAB pode ser compreendido como uma manifestação de conflitos intrapsíquicos profundos, possivelmente relacionados a experiências precoces de perda ou separação, que desestabilizam a capacidade do ego de regular os afetos. A fase maníaca, por exemplo, pode ser vista como uma tentativa de fuga da dor e da angústia depressiva, através de uma hiperatividade e um investimento excessivo no mundo externo. Já a fase depressiva reflete o retorno da dor psíquica, a sensação de vazio e a dificuldade de encontrar sentido na vida. A alternância entre esses polos pode ser entendida como uma luta constante entre o desejo de fusão e a angústia de separação, entre a idealização e a desvalorização.

Transtorno de Personalidade Borderline: A Instabilidade como Marca Registrada

O Transtorno de Personalidade Borderline, por sua vez, é marcado por um padrão persistente de instabilidade nas relações interpessoais, na autoimagem e nos afetos, além de impulsividade acentuada. Indivíduos com TPB frequentemente experimentam medo intenso de abandono, alternando entre idealização e desvalorização de pessoas significativas em suas vidas. Sua autoimagem é instável, podendo variar entre sentimentos de grandiosidade e profunda inadequação. As emoções são vivenciadas de forma intensa e flutuante, com dificuldade em retornar a um estado de equilíbrio. Comportamentos autodestrutivos, como automutilação e tentativas de suicídio, podem ocorrer em momentos de crise emocional.  

A psicanálise oferece uma compreensão do TPB a partir da teoria das relações objetais. A dificuldade em integrar as representações boas e más de si mesmo e dos outros (fenômeno conhecido como “splitting”) leva a relações caóticas e à instabilidade da identidade. Mecanismos de defesa primitivos, como a identificação projetiva, onde sentimentos internos indesejados são atribuídos a outras pessoas, também desempenham um papel importante na dinâmica do transtorno. Experiências traumáticas na infância, negligência e inconsistência nos cuidados parentais são frequentemente encontradas na história de indivíduos com TPB, contribuindo para a formação de um self fragmentado e vulnerável.

Pontos de Convergência: Onde as Semelhanças se Encontram

Apesar de suas diferenças fundamentais, o TAB e o TPB podem apresentar algumas características em comum, o que por vezes dificulta o diagnóstico diferencial. Entre elas, destacam-se:

  • Instabilidade emocional: Ambos os transtornos envolvem flutuações significativas de humor e intensidade emocional. No entanto, a natureza e a duração dessas flutuações são distintas.
  • Impulsividade: Comportamentos impulsivos, como gastos excessivos, sexo de risco, abuso de substâncias e direção perigosa, podem estar presentes em ambos os quadros.
  • Dificuldades nas relações interpessoais: Tanto indivíduos com TAB (especialmente durante as fases de mania ou depressão) quanto aqueles com TPB frequentemente enfrentam desafios na manutenção de relacionamentos saudáveis e estáveis.
  • Risco de suicídio: Ambos os transtornos estão associados a um risco aumentado de ideação e tentativas de suicídio, especialmente em momentos de crise.

A Arte da Diferenciação: Desvendando as Nuances

A visão psicanalítica enfatiza a importância de analisar a estrutura psíquica subjacente para diferenciar o TAB do TPB. Algumas distinções cruciais incluem:

  • Natureza das oscilações de humor: No TAB, as mudanças de humor são episódicas e bem definidas, com períodos de humor normal entre os episódios. No TPB, a instabilidade emocional é mais contínua e reativa a eventos interpessoais. As flutuações podem ocorrer em questão de horas ou dias, sem necessariamente atingir a intensidade e a duração dos episódios maníacos ou depressivos do TAB.
  • Estrutura da personalidade: O TPB é um transtorno de personalidade, o que significa que afeta a forma como o indivíduo pensa, sente e se relaciona de maneira global e persistente. O TAB, por outro lado, é um transtorno do humor, com períodos de funcionamento relativamente normal entre os episódios.
  • Relações objetais: No TPB, a dificuldade em integrar as representações de si e do outro leva a relações caóticas, marcadas por idealização e desvalorização. No TAB, as dificuldades relacionais tendem a estar mais associadas ao estado de humor predominante.
  • Mecanismos de defesa: Indivíduos com TPB frequentemente utilizam mecanismos de defesa mais primitivos, como o “splitting” e a identificação projetiva, enquanto no TAB, os mecanismos podem variar dependendo da fase do humor.

A Contribuição da Psicanálise para a Compreensão e o Tratamento

A abordagem psicanalítica oferece uma compreensão profunda da dinâmica psíquica tanto do Transtorno Afetivo Bipolar quanto do Transtorno Borderline. Ao explorar as raízes inconscientes dos sintomas, as experiências precoces e os padrões de relacionamento, a psicanálise busca promover o autoconhecimento, a integração do self e a melhora da capacidade de regulação emocional.

No tratamento do TAB, a psicanálise pode auxiliar na compreensão dos gatilhos dos episódios de humor, na elaboração das fantasias e defesas associadas a cada fase e no desenvolvimento de estratégias de enfrentamento mais adaptativas. No caso do TPB, a terapia psicanalítica de longo prazo pode ajudar o indivíduo a integrar as partes fragmentadas de sua identidade, a desenvolver relações mais estáveis e a lidar com a intensidade de suas emoções de forma mais saudável.

É fundamental ressaltar que o diagnóstico diferencial preciso é crucial para um plano de tratamento eficaz. Em muitos casos, uma abordagem multidisciplinar, que pode incluir psicoterapia (como a psicanálise ou outras abordagens), farmacoterapia e psicoeducação, é a mais indicada para auxiliar indivíduos com TAB e TPB a construírem uma vida mais equilibrada e significativa. A jornada de compreensão e tratamento desses transtornos complexos exige sensibilidade, escuta atenta e um olhar que vá além da superfície dos sintomas, buscando as profundezas da psique humana.

REFERÊNCIAS

Akhtar, Salman. (1992). Broken structures: Severe personality disorders. American Psychiatric Press.

Fonagy, Peter; Bateman, Anthony W. (2004). Psychotherapy for borderline personality disorder: Mentalization-based treatment. Oxford University Press.

Grotstein, James S. (2007). A beam of intense darkness: Wilfred Bion’s legacy to psychoanalysis. Karnac Books.

Kernberg, Otto F. (1975). Borderline conditions and pathological narcissism. Jason Aronson.

Kernberg, Otto F. (1984). Severe personality disorders: Psychotherapeutic strategies. Yale University Press.

Ogden, Thomas H. (1986). The matrix of the mind: Object relations and the psychoanalytic dialogue. Jason Aronson.

Rinsley, Donald B. (1982). Borderline and other self disorders: A developmental and object-relations perspective. Jason Aronson.

Searles, Harold F. (1986). My work with borderline patients. Jason Aronson.

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